O ministro e o bilionário
A rede social X, o antigo Twitter, saiu do ar no Brasil em diversos dispositivos, a partir do último sábado (31/08/2024) dias após a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, que suspendeu as atividades da plataforma após a empresa não indicar um representante legal no país. Interessante: a empresa atua, tem lucro extraordinário, mas não quer se instalar no país e tampouco se dispõe a obedecer a Justiça do país!
Em represália, o bilionário compartilhou na sua rede social, em tom provocativo, uma foto com o ex-presidente Bolsonaro (PL) e o ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, datada de 20/05/2022, quando o empresário recebeu a medalha da “Ordem do Mérito da Defesa”. Musk Também criou um perfil na sua rede na internet, onde postou que o ministro Alexandre de Moraes é “uma fraude, não um juiz”.
Para quem não sabe, Elon Musk nasceu na África do Sul e naturalizou-se norte-americano, sendo fundador da TESLA, fabricante de carros elétricos, e dono da STARLINK, provedor de internet via satélite (usada em locais longe dos grandes centros urbanos). Em 2023, ele era a pessoa mais rica do mundo, com um patrimônio líquido estimado em US$ 225 bilhões de dólares. No Brasil, o bilionário é investigado em um inquérito que apura suspeitas de obstrução de Justiça, organização criminosa e incitação ao crime.
Seja qual for o desfecho dessa “queda de braço” entre o ministro e o bilionário, o episódio nos remete ao tema das “milícias digitais”, que certamente serão bem ativas à medida que se aproxima a eleição municipal. No fundo, é uma questão maior que está na pauta, qual seja: qualquer tentativa de disciplinar a internet é uma ameaça à liberdade de expressão? Cabe lembrar que essa questão não é exclusiva do Brasil, visto que Musk tem sido alvo de processos em vários países europeus.
Como se dizia antigamente, “o buraco é mais embaixo”. Quando alguém, pelo simples fato de ter muito dinheiro, acredita que seu interesse pessoal está acima das normas legais, algo está errado com a nossa democracia. Não é de hoje que as democracias ocidentais passam por um processo de enfraquecimento interno, marcado pelo descrédito dos partidos e políticos tradicionais junto ao eleitor e, como não existe vácuo na disputa pelo poder, abre-se um espaço para o surgimento de “outsiders”, que operam fora do sistema democrático convencional.
Nós sabemos que os extremistas surgem de tempos em tempos em todas as sociedades, inclusive em democracias consolidadas. Talvez, isso seja inevitável. Porém, o essencial é evitar que eles cheguem ao poder. E nisso a democracia ocidental tem falhado. Hitler, Mussolini, Chaves e Maduro não foram obras do acaso. Em geral, eles chegaram ao poder “apadrinhados” por algum “cacique” político (ou Partido tradicional) em processo de declínio eleitoral. A ideia por trás desse apoio é o famoso “toma lá, dá cá” da velha política: em troca do apoio, o “outsider” se deixa levar como “tábua de salvação”.
O problema é quando um desses extremistas rompe o acordo e chega ao poder, dentro das regras estabelecidas, sem golpes militares nem nada do tipo. Isso explica “Como as democracias morrem”, título do livro de 2018, dos professores de Harvard (USA), Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (editora Zahar), sem dúvida, uma premonição que permanece mais válida do que nunca. Segundo o livro, a polarização extrema – como acontece no Brasil e Estados Unidos – é capaz de matar democracias.
Bolsonaro é um caso especial, pois foi um “insider”, isto é, ele já fazia parte da política tradicional há quase três décadas quando chegou à presidência. O curioso é que em função de suas constantes trocas de partido, Bolsonaro pareceu, ao menos para seus eleitores, não pertencer a nenhum deles, “colando” o marketing de ser ele um “outsider”, coisa que nunca foi. Independente disso, todos esses extremistas testaram, em cada época específica, como a democracia é frágil. No caso brasileiro, foi no fatídico dia 8/01/2023.
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